quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Um tempo para se reciclar


Jovens brasileiros aderem ao período sabático entre o ensino médio e a universidade. E isso pode fazer bem para a futura carreira, garantem especialistas


A tendência é mundial. Jovens britânicos, australianos, neozelandeses e israelenses terminam o ensino médio e, antes de entrar na faculdade, tiram o seu gap year. O termo significa um “ano em suspenso”, dedicado a viagens pelo mundo, trabalhos voluntários ou cursos específicos – de preferência, realizados longe de conhecidos e de casa. A pausa é uma maneira de viver experiências diferentes, uma forma de amadurecer, de adquirir bagagem para a vida adulta e de pensar com calma a profissão futura. A prática começa a ganhar força no Brasil. Embora a maioria dos jovens que terminam o ensino médio emende cursinho, faculdade e trabalho, alguns estão tirando uma espécie de período sabático, que pode durar até um ano. Ficam longe do frisson profissional, mas ganham experiência de vida. O que, segundo especialistas, pode ser um diferencial na hora de batalhar espaço no mercado de trabalho, especialmente se a viagem proporciona o aprendizado de outra língua ou alguma especialidade.

Pedro Augusto Silva Santos, 19 anos, terminou o ensino médio sem a certeza da profissão que seguiria. Sentia-se inclinado ao direito, mas só decidiu por economia depois de passar 2009 no Canadá. “Meu pai percebeu que eu estava inseguro e disse: ‘Vá ficar um tempo fora’”, conta Santos, que atualmente faz cursinho. Em Vancouver, ele participou do Foundation, programa oferecido pela STB (agência de intercâmbio), que auxilia o aluno a escolher sua carreira. Patrícia Mendoza, 19 anos, também se sentiu segura para escolher a profissão após deixar a família, de classe média alta de Belo Horizonte, para realizar um trabalho voluntário numa escola de educação infantil na cidade de Barooga, na Austrália. “Minhas amigas diziam: ‘trabalhar de graça, pra quê?’Mas garanto que ganhei muito mais que dinheiro”, resume Patrícia, que apostou num pacote da ONG AFS Intercultura Brasil e agora pretende cursar relações internacionais. Viajar para fazer trabalho voluntário também é tendência no Brasil. “A nossa expectativa de crescimento na venda de pacotes para este ano é de 40% em relação a 2009”, diz Gisele Mainardi, gerente de produto da Central de Intercâmbio.

O gap year é uma modalidade do período sabático. O termo é antigo (leia quadro), mas vem adquirindo novos contornos. “O conceito original está ligado a um afastamento para a realização de um projeto pessoal, como escrever um livro”, diz Herbert Steinberg, autor do livro “Sabático, um Tempo para Crescer”. Hoje, no entanto, não é fundamental ter um projeto pessoal definido para fazer uma pausa e as malas. Com a correria da vida cotidiana, o período sabático tem funcionado como uma válvula de escape. Ou seja, um tempo para respirar, fazer um balanço da vida, reciclar ideias, redefinir metas. Foi para fugir do estresse que, há dois anos, o advogado Fernando Correa de Camargo Neto, 30 anos, pediu demissão e viajou durante nove meses por 30 países. “Eu trabalhava muito e não tinha tempo para a minha vida pessoal”, diz Camargo. Depois de escalar o vulcão Pacaya, na Guatemala, participar de uma produção cinematográfica em Bollywood, na Índia, e pular com guerreiros masai na Tanzânia – quando estão felizes, os masai pulam –, Camargo se sentiu renovado para voltar para casa. “Tão difícil quanto deixar o meu mundo para conhecer outros mundos foi voltar e me recolocar”, diz ele.
A estudante Patrícia Mendoza foi trabalhar 
numa escola infantil na Austrália

O período sabático também costuma ser motivado pelo fechamento de um ciclo de vida, como aconteceu com a escritora americana Elizabeth Gilbert. Autora do best-selller “Comer, Rezar, Amar”, que virou filme, ela viajou para Itália, Índia e Indonésia após o fim de seu casamento. Depois de se reencontrar, voltou apaixonada e com o projeto do livro na bagagem. Seu livro, inclusive, ajudou a aquecer o mercado de viagens sabáticas no Brasil. Neste primeiro semestre, a STB registrou um aumento de 30% na procura por esse tipo de viagem em relação ao ano passado. E, de olho no filão, a agência acaba de lançar roteiros inspirados no livro para os países visitados por Elizabeth para quem quer um hiato mais longo do que as férias. Quem já tirou um sabático garante que fazer esta pausa não é um sonho distante, basta planejar. “É importante que a pessoa negocie com a família, esclareça os seus pontos”, diz o escritor Steinberg. “E faça um pé de meia, para o tempo que estiver fora e para quando voltar.” Afinal, é preciso recomeçar.

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